Thursday, May 7, 2009

quando as águas do mar eram ainda águas sem medida revolvidas
e não como hoje são domésticas e mansas
quando os homens viviam na intimidade da sensibilidade e dilatavam
as narinas para aspirar profundamente o cheiro a suor
das mulheres quando após o esforço principia a arrefecer
e todas as palavras eram relativamente novas e caíam como pétalas
e não havia tantas tão miúdas minudências rodeando os corpos

Quando as raparigas punham todo o peso da sua esmagadora juventude
no pé e o pé no pó das antigas estradas a caminho das fontes
onde a água corria pelos vagarosos dias desse tempo
quando os cortesãos nos refeitórios de alto pé-direito e telha vã
renovavam as rosas do colar murchas com o calor
antes de cavalgarem toda a noite pelos campos até de madrugada
quando não só as salas mas as vidas não ficavam
de repente vazias de convivas
que temiam olhar uns para os outros e medir nesse olhar as dimensões da solidão

e só sentiam como algum remédio para essa solidão
abrir as salas aos nocturnos bois dos campos circundantes