Sunday, December 14, 2008

A Dependência

" Sempre que a tradição se retrai, somos obrigados a viver de forma mais aberta e reflexiva. Com mais discussão e diálogo, a autonomia e a liberdade podem substituir o poder oculto da tradição. Mas estas liberdades trazem consigo outros problemas. Uma sociedade que vive para lá da tradição e da natureza, como sucede em todos os países ocidentais de hoje, exige que sejam tomadas decisões, tanto na vida corrente como em todos os outros domínios. O lado escuro da tomada de decisões é o aumento das dependências e da repressão. Há aqui algo de intrigante, mas também perturbador. O problema está em parte confinado aos países desenvolvidos, mas começa a manifestar-se entre grupos afluentes de outras paragens. Estou a falar da ideia e da realidade prática da dependência. A noção de dependência costumava ser aplicada apenas aos casos de alcoolismo e de consumo de drogas. Mas agora qualquer domínio de actividade pode ser invadido por esta praga. Pode-se ser viciado, logo dependente, do trabalho, do exercício, da comida, do sexo e até do amor. E isto acontece porque estas actividades, e também outros domínios da vida, são agora muito menos estruturados pela tradição e pelo costume do que eram em épocas anteriores.

Tal como a tradição, a dependência quer dizer que o passado está a influenciar o presente; e, como sucede com a tradição, a repetição têm um papel fundamental. O passado em questão é mais individual do que colectivo, a repetição é motivada pela angústia. Eu diria que a dependência é um congelamento da autonomia. A dependência aparece quando a escolha, que deveria ser provocada pela autonomia, é subvertida pela angústia.
A medida que a tradição e os costumes se afundam à escala mundial, a própria base da nossa identidade - a consciência de quem somos altera-se. A identidade própria tem de ser criada e recriada numa base mais viva que antes.

Quando criou a psicanálise moderna, Freud pensou que tinha descoberto um processo científico para o tratamento das neuroses. Na realidade, o que fez foi construir um método de renovação da própria identidade, nas primeiras fases de uma cultura entregue a um processo de negação das tradições "

Anthony Giddens
O mundo na era da globalização