Friday, January 11, 2008

O desejo I


Que é feito então desse desejo?
Que acontece com cada um de nós, ilusórios sujeitos desse verbo/substantivo que faz pouco de nós? Não seremos antes objectos apaixonados de uma chama que nós atrai: esse desejo onde nos consumimos voluntariamente com vista a um prazer esperado onde viver passa a ter o sabor de morrer? que é feito então dessa esperança que sabemos por experiência ser um logro, dessa esperança tenaz, senão em nós próprios, pelo menos nos outros e que desafia a nossa razão? que é feito então da nossa confiança no nosso próprio desejo, que só medimos nos riscos que corremos de perder aí a nossa segurança, essa ilusão de ser, a que a nossa carne não pode aspirar? onde pode, pois, originar-se essa esperança de autenticidade do gozo que continuamos a esperar, já que, do desejo, nunca conhecemos senão um jogo em que as cartas estão sempre marcadas e os dados sempre viciados.

Françoise Dolto - No Jogo do Desejo